O mestre Luís da Câmara Cascudo, em seu Dicionário do folclore brasileiro, ao focalizar o verbete Lobisomem, nos diz da longevidade do mito universal, registrado, desde a mais remota antiguidade, por Plínio, o antigo, Heródoto, Plauto, Varrão, Santo Agostinho, Ovídio etc. etc. — mito que, — por universal — também se localizou na Península Ibérica, espantando a espanhóis e portugueses. De lá é que, certamente, nos veio, dentro das primeiras caravelas lusitanas.
De Portugal, cita o mestre um verso no Cancioneiro geral, de Garcia de Resende (1516), verso do poeta Álvaro de Brito Pestana: “Sois danado lobisomem…” Refer à crença lusa, segundo a qual o lobisomem é filho de comadre e compadre, ou de padrinho e afilhada. E pinta-lhe o retrato: “como homem: extremamente pálido, magro, macilento, de orelhas compridas e nariz levantado”; como animal, lobo, mas um lobo feio e mau, “um bicho grande, bezerro de alto porte, com imensas orelhas”.
O lobisomem continua a sua secular caminhada, o seu triste e sangrento fadário através do mundo. Está presente no folclore do Brasil e, da mesma forma, no folclore capixaba.
Por aqui, sabe e diz o povo que:
• o lobisome é bicho horrível, que carrega a gente;
• certas pessoas (homens, principalmente) viram lubisome às sextas-feiras de lua;
• quem entrar na igreja depois da meia-noite vira lubisome;
• o diabo, na noite de Sexta-feira Santa vira lubisome e vem para os quintais comer as galinhas, precisamente à meia-noite;
• nas sextas-feiras da Quaresma, não se deve deixar fora, expostas, as cascas de caranguejo (da torta); deve-se enterrá-las, para que não venha o lobisome lambê-las. Também corre, entre nós, esta crendice generalizada em todo o Brasil;
• Quem tem sete filhos seguidos (encarreirados), um deles ou o último será lubisome (Crendice recolhida na Serra, em Santa Leopoldina e Vitória, mas, certo, corrente em quase todo o Espírito Santo).
Há, porém, um processo para evitar esse fado horrível: é o mais velho dos sete filhos ser o padrinho de batismo do último; com isso, desvia-se deste o destino terrível.
Já vi um lobisomem. Já o vi com estes olhos que a terra (breve) há de comer. Foi em Conceição da Barra. Guardei até o dia preciso: 1º de fevereiro de 1959. Feio, arrastando-se no chão, cabeça enorme e o corpo coberto de capim e estopa, o lobisomem que eu vi latia feito um cão danado, latidos surdos, ganidos como se ladrasse à lua. Na ocasião, alguns “marujos” assoviavam para ele, chamando-o ou atiçando-lhe a raiva, e também cantavam, ao som de pandeiros.
Evém, evém
Evém lubisome
Evém…
Aí o bicho beio mesmo, rastejando, “caçando” as pernas da gente, até que os mesmos “marujos” cantaram:
Evai, evai
Evai, lubisome
Evai…
E ele lá se foi, arrastando-se como viera, sob os risos, apupos e aplausos dos que presencíavamos a bela exibição do famoso Reis-de-boi de Santa (povoação pobrezinha, a quatro quilômetros de Conceição da Barra).
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