Acredito que todos os estudiosos ou curiosos sobre mitologia já se encontraram nessa situação: consultando um mesmo mito (como o de Osíris, Isis e Hórus, ou o da Titanomaquia) encontraram as mais variadas versões daquele episódio. Não raros são os que chegam a apaixonadas extensas e bizantinas discussões a respeito da maior veracidade de tal autor, ou de tal episódio. Na verdade, o problema em geral não se encontra no autor, ou editor de determinada obra literária: e sim, na enorme variedade de relatos a respeito de um mesmo episódio.
Tomando como referência a famosa mitologia grega, vejamos os principais autores: Hesíodo e Homero. Sobre o segundo, pesam serias dúvidas mesmo sobre a sua existência, quanto mais do seu papel como em escrever a Ilíada e a Odisséia. Nele, entrecortado os vários cantos, há referências a vários deuses e episódios, e uma grande quantidade de variações. Para nos atermos a um caso mais famoso, a Ilíada dá conta de uma armadura que Aquiles teria recebido de Hefaísto. Porém, qual necessidade o invulnerável filho de Tétis, banhado no rio Estige, tinha dessa proteção, quando a sua pele já o era? No caso de Hesíodo, o autor da Teogonia, obra que dá conta dos princípios do mundo, admite a linhagem como originária de Caos, e, depois, de Geia e Urano. Por outro lado, outro antigo e menos famoso autor, Ferécides de Siros, apresenta uma Teogonia onde a existência de Zeus e Crono já remonta ao mesmo período que Geia, bem como a de Eros, que surge logo após o casamento entre Zeus e Geia.
A diferença entre as várias versões de um mito tem os mais diversos motivos. É muito clara a existência de autorias diferentes, mas também há o pertencimento a tradições e dogmas religiosos distintos. O antigo Egito conservou, durante muito tempo, um caráter de multiplicidade enorme na sua mitologia; diferentes tradições e corpus teológico tinham diferentes deuses criadores, que, por sua vez, em outras cidades, templos e tradições tinham outras funções. Assim, Toth é associado à Rá, e tido como criador da escrita em Mênfis, ou em Heliópolis; mas seu papel em Hermopólis, onde se localizava seu templo, era outro muito diverso, de criador do mundo.
Antes de se perguntar qual a versão certa, talvez seja mais interessante perguntar e atentar para a diversidade, que tanto impede que exista uma versão única sobre os mitos – quanto oferece gratas surpresas para o estudioso, e indicações muito precisas sobre a origem, ou a forma como aquela divindade era representada por determinado grupo, e por quê. Portanto, não há motivos para alarme: a mitologia é rica e diversa o suficiente para, em si mesma, comportar variações – ainda maiores quando se considera, por exemplo, traduções que nem sempre são trabalhos elogiáveis, problemas na edição e na própria forma como o editor apresenta o trabalho, o que se adapta, de que forma e para qual público. Assim, não é todo o livro de mitologias que traz o amor de Zeus pelo jovem Ganimedes, ou os amores homoeróticos de Apolo por Jacinto. Isso exige do estudioso maior argúcia e cuidado na hora de pesquisar determinado assunto: cuidado com a obra, com o publico a quem se destina, e jamais cessar na procura de novos dicionários, manuais, artigos e trabalho acadêmicos a respeito dos mitos.
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