terça-feira, 4 de setembro de 2018

O Tarô Mitológico


Mitos. A vida está permeada de mitos. E o que são mitos? Podemos citar Joseph Campbell que definiu extraordinariamente isso: “Mitos são metáforas da potencialidade espiritual do humano”. O homem não pode viver sem o mito, pois uma de suas funções é explicar e dar sentido a vida. Sem o mito estaríamos livres, porém desprotegidos, desamparados.

Para despertar nas pessoas a noção da importância do mito em cada aspecto da vida e do sentimento humano, torna-se necessário, inicialmente, escolher uma forma de ilustração. Dentre as diversas formas existentes, o Tarô Mitológico contempla, basicamente, tudo que pode ser discutido. O Tarô é talvez, entre todos os oráculos, o que exerce maior fascínio sobre as pessoas. Embora sua origem seja desconhecida, as cartas do tarô vêm chamando a atenção dos homens por mais de quinhentos anos. Existem muitas teorias sobre a origem do tarô. Para alguns, vêm dos rituais religiosos e dos símbolos do antigo Egito; para outros surgiu dos cultos misteriosos dos Mitras, nos primeiros séculos da era cristã. O essencial é que cada carta (chamada pelos estudiosos de lâmina) contempla um sentido natural do homem.


O tarô mitológico, que é representado pelos mitos gregos, vai mais longe ainda. Amorais, embora paradoxalmente trazendo profundas “verdades” morais, não são propriedades exclusivas de nenhuma escola esotérica, doutrina religiosa ou seita espiritual. As divindades gregas antecedem e permeiam quase todos os símbolos religiosos da cultura judaico-cristã, assim como a arte e literatura de todo o Ocidente.

Campbell afirma que os mitos não mudam. O que muda são apenas suas interpretações. Isso acontece no tarô. Uma lâmina, por exemplo “Os Enamorados”, representa a dualidade amorosa, a incerteza entre escolher o companheiro ideal para vida, o medo dessa escolha e as conseqüências que isso pode acarretar. Tal sentido existe desde antes do homem ocidental se entender por moderno e civilizado.

Na organização imaginária, entretanto, cabe à imagem, entendida como representação concreta e sensível, de um objeto material ou ideal, presente ou ausente do ponto de vista perceptivo, o papel mediar e relacionar, evidenciando é claro, o dinamismo do pensamento. Sendo assim, as formas de representação podem ser utilizadas para a valorização, explicação ou até mesmo legitimação de uma determinada realidade. Se for deturpada, a representação transforma-se num processo que, em longa duração provoca a hierarquização da própria estrutura social. A forma como cada pessoa assimila os conhecimentos que possui é baseada na sua estética de recepção. Tal “estética” é adquirida no meio social em que a pessoa vive.


A história cultural tem por principio objetivo, identificar o modo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler. As percepções das formas de representação não são, de forma alguma, neutras. Produzem meios de impor uma autoridade à custa de outros. Menospreza os “entendimentos inferiores” de culturas “não civilizadas”.

A sociedade Ocidental costuma legitimar ou justificar como verdade sua própria estrutura de pensamento. Assim, as lutas de representações têm tanta importância quanto às lutas materiais. A nossa sociedade (ocidental) é inteiramente baseada na estrutura grega de pensamento e imagem. Tal manifestação pode, com certeza, ser identificada no modo como o tarô mitológico se apropria dela.

Quando uma pessoa vai a um “tarólogo” e este “lê” as cartas para ela, o momento pode ser compreendido como uma participação ativa na representação do imaginário, do mito. O tempo mitológico passa a ser aquele instante e os participantes do mito são aquelas pessoas. O pensamento grego é então apropriado e sua forma de reflexão (receptividade estética) passa a ser uma prática social.


Esta representação de identidade pode ser entendida como um “retorno” aos conceitos básicos da transmissão da cultura. Ora, a historiografia centrada na cultura vem sendo priorizada desde o movimento dos Annales. A “cultura” ou seja, conjunto ou sistema de aspectos ou manifestações (para Roger Chartier, práticas e representações) sempre esteve presente, de uma forma ou de outra, na historiografia ocidental. É um objeto que funciona como um “pressuposto inerente ao próprio ato de historiar” (FALCON, 2002. pag.34).

Por tudo isto, o tarô (ou taroth) como representação do mito, fala a linguagem que emerge da mente humana. As cartas apresentam figuras, desenhos, signos e sinais que significam símbolos ocidentais. Foi isso que atraiu tantos investigadores idôneos como, por exemplo, Jung que as analisou dentro da disciplina psicanalítica. Em síntese, o tarô é um livro. Um sistema de símbolos. Vinte e duas lâminas -os arcanos maiores- que formam uma verdadeira chave dos mistérios inconscientes. Representam o que a psicologia atual chama de arquétipo. Colocados numa determinada ordem, os arcanos maiores podem conduzir a uma viagem altamente esclarecedora. Um profundo mergulho tanto no pensamento daqueles que viveram a centenas de anos, quanto no pensamento do homem atual. Um resquício da cultura popular se não da Idade Média, pelo menos, da Idade Moderna que sofreu várias alterações ou, como Ginzburg afirma, “deformações”. A transmissão da arte de jogar o tarô até o século XVIII foi predominantemente oral. Mas o fato de uma fonte não ser “objetiva” não significa, necessariamente, que seja inutilizável (GINZBURG, 1987).


O tarô mitológico, especificamente pois existem vários “tipos” de tarô, retrata de uma forma bastante ocidentalizada os aspectos mitológicos da cultura ocidental. Sobre as 78 lâminas são lançados mitos oriundos da mitologia grega, cada qual com suas identidades relacionados a sentimentos básicos do ser humano. Sobre o exemplo anteriormente citado da lâmina dos “Enamorados”, no tarô mitológico, a carta é representada pela figura de Paris, que tem a função de juiz na escolha da mais bela deusa grega, concorrendo Athena, Hera e Afrodite.

Como a maioria dos mitos gregos são conhecidos pelo público, há uma dupla identificação: primeiro com o aspecto da dúvida, não só amorosa mas quanto ao ser humano que pretendemos nos tornar. A básica opção por sabedoria, poder, ou instinto sexual. Um dilema do cotidiano da época grega e de hoje, ou melhor, de até hoje. O segundo aspecto de identificação é com o próprio mito do julgamento de Páris, que é bastante divulgado pelos meios de comunicação.


Na visão antropológica de Lévy Strauss, o mito é a história de um povo, ele é a identidade primeira e mais profunda de uma coletividade que quer se explicar. Sobre o mito, a filósofa brasileira Marilena Chauí diz que “é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa”, que ressurge dentro de uma estrutura onde os conflitos só vão ser resolvidos no final da trama. Quem acompanha essa história sente-se preso porque quer chegar ao ápice da rede. Ela é o ponto culminante do interesse dos ouvintes. O tarô mitológico se mostra como um excelente meio de atrair a atenção do publico para o conhecimento do mito e de suas formas de representação e apropriação. Sua utilização como ilustração deste assunto é extremamente válida.

Referências Bibliográficas:

BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social In:Enciclopédia Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, 1985.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito.-São Paulo: Editora Palas Athena, 2003.

CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. (orgs). Domínios da História. 4ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel/Bertrand Brasil, 1985.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 1995.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade -São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.

FALCON, Francisco. História Cultural: Uma nova visão sobre a sociedade e a cultura –Rio de Janeiro: Editora Campus, 2002.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição –São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e História . –São Paulo: Companhia das Letras, l989.

MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura Popular e desenvolvimento em Minas Gerais.: caminhos cruzados de um mesmo tempo . São Paulo: Departamento de História/USP, 1998. (tese de doutoramento).

SHARMAN-BURKE, Julier. O tarô mitológico. Tradução Anna Maria Dalle Luche. –São Paulo: Editora Arx, 1988.

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