terça-feira, 4 de setembro de 2018

Mitologia Nórdica


Neil Gaiman é um apaixonado por mitologias. Quem conhece o trabalho do autor sabe bem disso; é difícil ler um livro ou quadrinho de Gaiman que não tenha referências ou personagens de alguma mitologia. Suas duas maiores obras, Sandman, nos quadrinhos, e Deuses Americanos, na literatura, não deixam qualquer dúvida a respeito.

Em seu novo livro, intitulado simplesmente Mitologia Nórdica e lançado no Brasil pela editora Intrínseca, em uma bela edição de capa dura, o autor leva seu fascínio pelos mitos a outro nível, assumindo a missão de recontar as histórias mais emblemáticas que povoavam o imaginário dos povos nórdicos e germânicos.


Para fazer isso Gaiman escolheu não revisitar os livros de mitologia que já conhecia, mas mergulhou no intrincado texto das Eddas em prosa e em verso. As Eddas são coletâneas de narrativas míticas encontradas na Islândia, datadas do século XIII, e representam as principais fontes da Mitologia Nórdica como a conhecemos hoje.

O autor estudou, analisou e até misturou passagens das Eddas de forma a criar uma narrativa coesa e de agradável leitura. O trabalho resultou em 15 capítulos contando episódios célebres como a construção do muro de Asgard, como os deuses conseguiram seus tesouros, inclusive Mjölnir, o martelo de Thor que ilustra a capa do livro, e as visitas de Thor e Loki a Jotunheim, o mundo dos gigantes. O livro termina com a trapaça final de Loki, a morte de Balder, seguida da história de seu confinamento, e por fim o Ragnarok, o Crepúsculo dos Deuses.

Mitologia Nórdica representa uma bem-vinda recontagem dessas histórias de tempos remotos. A prosa de Gaiman ressaltou com primazia o aspecto humorístico de alguns desses contos, assim como construiu muito bem a tensão e a violência sempre presentes nas interações entre os deuses e seus maiores inimigos, os gigantes. Entretanto, fica a sensação de que o livro contém muita Mitologia Nórdica, como o próprio título já diz, e pouco Gaiman.

O grande ponto aqui é entender as intenções de Gaiman e ajustar as próprias expectativas de leitura. O autor não tomou liberdades com as histórias, antes tratou-as com merecida reverência. Os personagens não tomam ações inusitadas ou essencialmente diferentes de outras recontagens que tenham se atido ao material das fontes primárias, no caso as Eddas. As narrativas não enveredam pelos rumos ainda mais mágicos e estranhos aos quais a imaginação de Gaiman poderia levá-las se fosse isso que ele quisesse fazer. Mesmo as incongruências e exageros típicos desse tipo de narrativas míticas continuam lá, não houve esforço no sentido de trabalhar esse corpo de textos de forma a entregar um livro que se parecesse mais com um romance, ou um romance fix up.

Mitologia Nórdica é exatamente o que o nome sugere, e de fato entrega uma narrativa de qualidade muito superior e de leitura mais agradável do que outras versões lançadas no Brasil. Quando quiser revisitar as lendas nórdicas não tenha qualquer dúvida entre ler a versão de Gaiman ao invés das de Franchini e Seganfredo, para citar um dos livros mais populares.

Entretanto é impossível terminar a leitura sem imaginar o tipo de livro que teríamos se Gaiman tivesse tomado o controle para si, aparado as arestas, amarrado as transições, contado histórias que são referenciadas nas Eddas mas não deixaram registro por escrito, se tivesse moldado e torcido e adicionado, criando sua própria versão peculiar da Mitologia Nórdica, como só ele poderia fazer.

Esse livro, infelizmente, talvez nunca exista.

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