As bases filosóficas do agnosticismo
foram assentadas no séc. XVIII por Kant e Hume. O termo, porém, foi
cunhado pelo biólogo britânico Thomas Huxley em 1876 – ele definiu o
agnóstico como aquele que acredita que a questão da existência de Deus
não pode e talvez jamais possa ser resolvida.
O evangelho do agnóstico
“O Cosmos é tudo que existe, que existiu ou existirá” – Assim, com essa frase inesquecível, Carl Sagan inaugura o primeiro episódio da série de 13 documentários
intitulada "Cosmos", veiculados na TV americana em 1980, e depois no
restante do mundo. Ao pretender explicar ciência e cosmologia para o
público leigo, Sagan acabou criando um épico que abrange também muitas
questões existenciais, história, mitologia, religião e espiritualidade
em geral.
Em alguma costa rochosa, em alguma praia do globo, Sagan observa as
ondas, os pássaros, o vento, e algum tempo depois nos traz outra pérola
em sua narrativa: “Recentemente, aventuramo-nos um pouco pelo raso (do
Cosmos), talvez com água a cobrir-nos o tornozelo, e essa água nos
pareceu convidativa. Alguma parte de nosso ser nos diz que essa é a
nossa origem. Desejamos muito retornar, e podemos fazê-lo, pois o
Cosmos também está dentro de nós. Somos feitos de matéria estelar,
somos uma forma do próprio Cosmos conhecer a si mesmo.”
Sagan era profundo conhecedor de religiões e mitologia, além de
cientista e cético, mas não era nem ateu nem teísta ou deísta, era
puramente agnóstico. Seu evangelho era constituído de uma obra de
divulgação científica totalmente voltada para tal espanto, tal
deslumbramento, tal amor pela natureza e todo o Cosmos a sua volta.
Essa era a boa notícia de Carl...
Para muitos teístas, o fato de existirem pessoas que não creem em um
Deus pessoal, ou que pelo menos não tem certeza de sua existência,
parece causar um certo desconforto. Não é raro perceber, em
qualquer pessoa ligada a doutrinas eclesiásticas, uma tendência a
classificar ateus, agnósticos, céticos, e às vezes simplesmente todo e
qualquer cientista, como “gente sem fé”, perdida, afastada de Deus, e
até mesmo imoral.
Mas a verdade é que, a despeito do aparente consenso dos
eclesiásticos, a moralidade, o amor, não são exclusividade daqueles que
oram todos os dias a Deus, que frequentam missas, que consultam algum
manual da Verdade Absoluta frequentemente. Para o religioso
superficial, isto que digo não levanta muitas questões – “Ora, mas é
exatamente assim: uns são bons, outros maus, crer em Deus não faz de
ninguém um santo”. Sim, isso faz sentido, mas a questão é mais
profunda...
Se Deus existe – e para teístas e deístas ele certamente
existe –, porque ele “permite” que algumas de suas criaturas vivam sem
sequer crer nele?
Em outro produto da obra de Sagan, o livro de ficção “Contato”, que também deu origem a um excelente filme homônimo,
é descrito um contato com inteligências extra-terrestres de uma forma
verossímel e científica. Existe também um conflito entre as crenças de
cientistas e religiosos – em dado momento, a protagonista do primeiro
contato (no livro são vários contatos ao longo das décadas, no filme há
apenas um), uma cientista agnóstica, nos traz uma importante
indagação:
“Se Deus quisesse nos mandar uma mensagem e escrituras antigas
fossem a única forma que pudesse imaginar, ele poderia ter feito um
trabalho melhor. E ele dificilmente teria que se confinar a escrituras.
Por que não há um monstruoso crucifixo orbitando a Terra? Por que a
superfície da Lua não é coberta com os Dez Mandamentos? Por que Deus
deveria ser tão claro na Bíblia e tão obscuro no mundo?”
Ao contrário do que muitos eclesiásticos possam imaginar, esta
mensagem não denota um pensamento que diminua de alguma forma a
importância da Bíblia, mas antes um pensamento que aumenta enormemente a
amplitude do que há de sagrado no mundo – o reino é todo o Cosmos. E
não poderia ser de outra forma...
Podemos encontrar neste mundo ateus, agnósticos, teístas e deístas, sim isso tudo é verdade. Mas será muito difícil encontrar algum ser que negue a existência
de um sistema que rege todo o universo. Seja a crença nas leis
fundamentais da natureza, seja a crença nos desígnios divinos, seja um
misto de ambos, todos creem em algum sistema, cuja função pode ainda
ser um mistério – mas que há de ser buscado, há de ser resolvido passo a
passo, por todos nós, juntos!
Sim, nós realmente somos a forma do Cosmos conhecer a si mesmo. E pouco importa, na prática, se tal Cosmos é um ser pessoal, uma força cósmica ou até mesmo um acaso miraculoso
– pois no fim, conforme postularam Kant e Hume, não compreendemos
ainda muito bem nenhum deles, não podemos ainda resolver tal questão.
Será que poderemos um dia?
Para resolvê-la, talvez não bastem apenas orações e experiências
místicas, apenas meditação e autoconhecimento, mas também o estudo
meticuloso, prático, objetivo, material, profundamente mundano, da
natureza a nossa volta. Há muitos gigantes da história da ciência que,
buscando talvez um deus barbudo senhor dos exércitos, acabou
esbarrando em verdades muito mais profundas. Talvez buscando um reino
confinado a um pequeno pedaço de rocha na periferia da uma de bilhões de
galáxias, acabou esbarrando no infinito.
E, se mesmo hoje existem seres que buscam aos mistérios de Deus sem
sequer crer nele, que se aventuram pelas entranhas dos átomos e quarks,
pelo reino bizarro da mecânica quântica, pelos códigos ocultos do DNA,
pelos quasares e sóis distantes, pelas singularidades de seções
inimagináveis do espaço-tempo, deixem que busquem, pois de uma coisa
teremos sempre a certeza: é impossível estar “fora” de Deus.
Talvez o trabalho deles seja tão importante para o mundo quanto os
mandamentos dos evangelhos. O importante é encarar as boas novas não
como enigmas solucionados, mas como o início de um caminho, subjetivo e
objetivo, interior e exterior, que preenche toda nossa existência.
Amai sim, o próximo, e toda a vida, como a ti mesmo. Mas amai a coletividade da vida, amai os átomos que nos conectam a tudo e a todos em uma teia sem fim, amai ao Cosmos acima de todas as coisas.
Fonte: Textos Para Reflexão
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