Alguns séculos atrás, a Europa experimentou uma estranha epidemia de suicídios. Um número desconcertante de homens jovens foram encontrados mortos sem uma razão óbvia. Logo foi descoberto que embora nenhum deles se conhecesse ou vivesse na mesma cidade, tinham algo em comum. Todos eles se vestiam com roupas semelhantes e haviam atentado contra a própria vida com um disparo de arma de fogo na têmpora.
Uma investigação mais cuidadosa resultou em uma descoberta chocante: todos os homens haviam lido um certo romance, considerado na época uma obra de grande sucesso. Mesmo hoje, o livro ainda é muito popular e continua sendo vendido mundo afora.
Poderiam palavras escritas em um livro afetar as pessoas de tal forma que elas decidissem cometer suicídio? O que aconteceu? Que livro é esse e que poder sinistro ele exerce sobre a mente de homens jovens, sendo capaz de persuadi-los a abraçar o esquecimento?
O livro do Mortal
O livro em questão foi escrito por Johann Wolfgang von Goethe, e segundo estatísticas ele foi o responsável - direta ou indiretamente, pelo suicídio de mais de 2000 pessoas.
Em 1774, Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832), um dos mais populares escritores germânicos publicou o romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther" ("The Sorrows of Young Werther"). Ele demorou apenas quatro semanas para completar seu trabalho, mas a repercussão do livro foi muito mais duradoura e catastrófica.
A influência da narrativa lacônica de Goethe se espalhou rapidamente pela Europa, e ao longo do século seguinte seu trabalho se converteu em uma grande fonte de inspiração para a música, teatro, poesia e filosofia. Infelizmente essa obra em especial se tornou célebre por estar associada a um grande número de mortes - "A Febre de Werther".
O livro "Os Sofrimentos do Jovem Werther" narra a estória de um rapaz chamado Werther, um artista nascido na classe média que se apaixona perdidamente por uma mulher que ele não pode ter. Charlotte, o objeto da devoção de Werther já está comprometida com outro homem. Embora sua amada corresponda ao profundo amor de Werther, ela decide se manter fiel ao seu compromisso com Albert, seu noivo. Werther, incapaz de controlar suas emoções e aceitar a situação, sofre de forma terrível ao longo de toda narrativa, escrita em forma de cartas a um correspondente que vive um outra cidade. Nos capítulos finais, ele planeja seu suicídio, uma vez que a morte será o único alento para seu coração despedaçado. Werther termina encostando o cano de uma arma contra a têmpora e pressionando o gatilho.
Parece uma estória demasiadamente sentimental e tola, mas é preciso lembrar que ela foi escrita em uma época em que o romantismo estava no auge.
Aqui no blog Noite Sinistra já dediquei uma matéria a falar a respeito de como pessoas com tendências suicidas são impulsionadas a tentar contra a própria vida quando elas se sentem tocadas por um livro, filme ou música que incite tal comportamento. O mesmo acontece quando pessoas famosas cometem suicídio, e isso parece incentiva outras pessoas a seguir o "exemplo". Porém as pessoas mais influenciáveis nesses casos são os jovens. Não por acaso esse tipo de atitude leva o nome de "Efeito Werther" (um clara referência ao livro de Goethe) ou mesmo "Efeito Imitação".
O livro de Goethe tornou-se rapidamente um sucesso e serviu para transformá-lo em um autor celebrado praticamente da noite para o dia. Os leitores europeus apreciavam a tristeza da estória que refletia a maneira como muitos deles se sentiam. As cartas de Werther sensibilizaram muitas pessoas e foram usadas como declaração de muitos suicidas.
Napoleão Bonaparte, o famoso General e Imperador Francês carregava consigo uma cópia do livro e o considerava uma das mais importantes obras de literatura. Napoleão era tão devotado a esse romance que quando foi exilado em Elba pediu que seus captores permitissem que ele levasse consigo um exemplar para que pudesse ler.
Será possível que palavras podem afetar as pessoas de tal maneira que elas decidam cometer suicídio após absorver o conteúdo de um livro?
Infelizmente, Goethe não havia antecipado que tantos jovens seguiriam os passos de Werther. Repentinamente, vários suicídios começaram a acontecer nas principais cidades da Europa. Na maioria dos casos, homens entre 16 e 24 anos de idade, educados e interessados em literatura. Em comum, o fato deles vestirem um casaco azul e calças amarelas, as mesmas roupas usadas por Werther quando ele foi encontrado morto no final do romance. Em todos os suicídios, a arma utilizada era uma pistola, pressionada contra a têmpora e disparada à queima roupa. Vários dos suicidas não deixaram cartas ou mensagens para explicar suas ações, contudo, exemplares do romance sempre estavam próximos.
A influência que o livro de Goethe teve sobre jovens homens acabou se convertendo em um problema social. A Igreja Católica ficou extremamente preocupada e começou uma campanha condenatória do livro. Líderes da Igreja, é claro, postulavam que o suicídio era considerado um dos maiores pecados que alguém poderia cometer. Em um período em que a religião perdia sua influência sobre as pessoas, nem mesmo a Campanha que envolveu o próprio Papa surtiu algum efeito. O romance continuava sendo vendido, atingindo enormes tiragens.
Temendo que a epidemia de suicídios em massa continuasse, vários países da Europa decidiram banir o livro e proibir sua venda e tradução. Nações como Noruega, Áustria, Dinamarca e alguns estados da Alemanha decidiram confiscar as edições do livro. Milhares de cópias foram queimadas, mas centenas escaparam da censura e foram parar em coleções particulares.
Mesmo Goethe teve que admitir que algo estava terrivelmente errado. O autor sempre disse que "Os Sofrimentos do Jovem Werther" haviam lhe causado um misto de sentimentos conflitantes. Goethe sempre deixou claro que o livro não era biográfico e tampouco inspirado em acontecimentos que ele testemunhou, sendo apenas uma obra de ficção. Contudo, no final de sua vida, ele admitiu que em seu romance haviam certos acontecimentos com os quais ele próprio teria lidado em sua juventude. Goethe sempre se disse assombrado pelos fantasmas daqueles que foram influenciados pela sua obra, reconheceu em seu leito de morte que talvez tivesse sido melhor jamais ter escrito uma obra tão lamentosa. Teria confessado a um amigo: "Esse é um livro que eu escrevi com sangue vindo de meu próprio coração despedaçado".
Quando a segunda edição foi impressa, Goethe foi obrigado pelo seu editor a incluir um aviso aos leitores. Na contra-capa passou a ser escrita a seguinte frase: "Seja homem, não siga os meus passos", como se o alerta fosse dado pelo próprio Werther.
O surto de suicídios conhecido como "A Febre de Werther" demorou alguns anos para diminuir. Com o tempo, o número de mortes foi reduzindo, mas elas ainda aconteciam. A Noruega foi o último país a remover o banimento da obra em meados de 1820. No início do Século XX, a Febre voltou com força total. Nos sangrentos campos da Grande Guerra, o número de suicídios influenciados pela obra foi arrebatador. Tamanho o estrago do livro que o Exército Imperial Alemão proibiu que os recrutas tivessem acesso a ele. Ironicamente, cópias em inglês publicadas pelos alemães foram lançadas em caixotes do alto de dirigíveis atrás das linhas inimigas. A ideia era influenciar os soldados britânicos a ler e morrer. Se o plano foi bem sucedido ou não, talvez nunca saibamos.
Hoje em dia, o livro de Goethe é considerado uma das obras mais populares de sua bibliografia e um dos mais lidos.
Historiadores estimam que cerca de 2 mil pessoas cometeram suicídio depois de ler "The Sorrows of Young Werther" mas o número exato é desconhecido. Alguns especulam que pode ser muito maior, algo em torno de 5 ou 10 mil.
O que é válido contemplar nesse caso é se nossa sociedade mudou muito desde então. Será que somos indivíduos mais fortes hoje em dia? Será que temos controle absoluto sobre os nossos sentimentos? Seria possível que algo semelhante acontecesse em nossa época cínica?
Naturalmente, o livro não matava as pessoas, mas ele provavelmente agia sobre as emoções de seus leitores fazendo com que eles encarassem a situação do protagonista como um dilema similar ao vivido por eles mesmos. Muitos de nós, já experimentamos momentos de tristeza decorrentes de relacionamentos desfeitos, mas a grande maioria jamais encontrou nisso motivos para querer morrer. Por outro lado, há incontáveis relatos sobre cultos cujos membros planejam cuidadosamente morrer por uma causa, por uma crença, por um sonho.
Fonte:Mundo Tentacular
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