Aqui estou novamente, num vagão de metrô da Cidade Maravilhosa...
Basta ir morar por algum tempo (meses, anos?) longe de uma grande cidade, do tipo que tem metrôs lotados, para voltar a se espantar novamente, quando retornamos a nossa antiga casa: “Nossa, se entrasse mais alguém por aquela porta, eu acho que teria sido esmagado neste poste no meio do vagão!”.
Há tanta gente em tão pouco espaço, que quando você planeja pegar o metrô do Rio em horário “nobre”, precisa realmente elaborar uma estratégia... “Se entro pela esquerda, preciso garantir minha posição próximo à porta direita, ou seria a esquerda?” – Um momento de indecisão, e é capaz de você passar do ponto sem ter tempo de sair...
Mas é entre as estações, com o trem percorrendo os corredores escuros por debaixo da metrópole, que os pensamentos mais profundos me assaltam: “Quantas histórias distintas neste mesmo vagão, quantas formas de ver o mundo... Aquele cara está com o olhar fixo nos seios daquela garota, será que ela também sabe dos seios lindos que tem? (me parecem naturais); Aquela outra ali tem pinta de nerd... Nossa, ela está lendo Game of Thrones na tela do celular, isso que é dedicação! E ali, no outro canto, aquele grupo de turistas alemães escolheu uma péssima hora para fazer turismo pelo Centro...” – Mas todos eles estão pensando. Não há aperto suficiente neste vagão que impeça alguém de pensar.
Muitos certamente estão voltando do trabalho e, invariavelmente, dedicam uma boa parte do seu tempo de reflexão a pensar no dinheiro: quanto têm, quanto almejam ter, quantas dívidas a pagar, etc. Isto tudo, sem dúvida, passou por sua educação: se não foram os pais ou familiares a lhes alertar que “tempo é dinheiro”, certamente foi a orientadora vocacional. A primeira função das orientadoras vocacionais é tentar convencer o maior número possível de jovens mentes promissoras a ingressar numa carreira “promissora”, que “pague bem”. Ultimamente, por falta de mão de obra qualificada, o empresariado brasileiro tem quase que implorado para tais orientadores: “Pelo amor de Deus, manda alguém para exatas”.
E a filosofia? Bem, esta nem é mais ensinada na maioria dos colégios. Por toda parte, os “arautos da estagnação”, estes que gostariam que você não pensasse, espalharam o boato de que a “filosofia é difícil e muito, muito chata; seria melhor estudar ciências exatas, que às vezes não são assim tão chatas”. Existem, quem sabe, dois tipos de pensadores: os que usam o pensamento para manter a “ordem estabelecida”, para estes é interessante que somente alguns poucos “doutrinados” aprendam a pensar, e mesmo assim desde que não pensem em nada que possa ir contra a tal “ordem estabelecida”; existem outros pensadores, no entanto, que acreditam que todos deveriam ser livres para pensar no que quiser, e cada vez mais abrangentemente e profundamente – a estes os “estagnados” de cada época taxaram de loucos, hereges, subversivos, bruxos ou, como está tão na moda: irracionais.
Que falar das religiões então? Tudo bem, todos poderiam continuar sendo batizados antes de terem opção de escolha, assim como seus pais já escolheram seus times de futebol, em todo caso... Mas, antes da primeira missa de Domingo após os, quem sabe, 12 anos, alguém de espírito livre deveria lhes alertar: “Vá e ouça tudo o que o padre tem a dizer, mas, ainda que suas palavras sejam reconfortantes, e ainda que você não possa dialogar, dialogue consigo mesmo – duvide, questione, elabore, experimente. Não faça de sua vida religiosa mais um decoreba eclesiástico!”. O único problema é que um sujeito assim seria expulso da Igreja...
E quem seria hoje Nosso Senhor Jesus Cristo? Um socialista radical? Um hacker anônimo? Um psicólogo dos Médicos Sem Fronteiras? Aquele mendigo que mora nas escadas da paróquia? Ou mais uma dessas estrelas do céu, que insistem em irradiar sua luz antiga, para aqueles que têm alma para às admirar? Ou, quem sabe ainda, mais uma dessas estrelas exprimidas neste vagão de metrô?
[1] Carta a Meneceu.
Fonte: Textos Para Reflexão
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