sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Conexão que desconecta: Os Smartzumbis

Overdose digital já é uma epidemia


Quem nunca se deparou com um zumbi digital em seu caminho? Pessoas que usam seus celulares em qualquer lugar sem se atentar se está sendo inconveniente ou atrapalhando o fluxo. Algumas escolhem responder mensagens na escada do metrô ou checar as notificações das redes andando sem controle nas calçadas. Com isso temos seres que caminham com mobilidade reduzida e cognição limitada, coisa que também se torna cada vez mais comum em rodas de amigos. Muitas vezes tínhamos a pessoa ali ao nosso lado quando, de repente, ela é sugada pelo celular e se torna ausente, mesmo presente.

O celular tem sido, de fato, nossos mais próximos companheiros. Um estudo conduzido pela Motorola em parceria com a especialista Nancy Etcoff comprovou o óbvio: pessoas entre 16 e 37 anos passam mais tempo do dia usando seus celulares do que trabalhando ou se relacionando com pessoas queridas. Os mais jovens ainda consideram o aparelho como “melhor amigo”. Isso faz sentido se comparado a um levantamento do site Dscout, empresa americana de análise de mercado, mostrando que, em média, em um dia (que contém 1.440 minutos) tocamos 2.617 vezes os nossos celulares.

Não é necessário nenhum diploma em psicologia pra entender que estamos fazendo isso errado e este uso descontrolado traz danos à nossa saúde. O uso exagerado da tecnologia potencializa e desenvolve doenças como depressão, ansiedade, déficit de atenção, estresse e ainda outras patologias emocionais. Na verdade, não é só isso que está errado, tem muita coisa que a tecnologia nos disponibiliza que ao invés de nos ajudar, vem nos atrapalhando. Porém, a culpa nunca é da tecnologia, não devemos responsabilizar as ferramentas que temos disponíveis por nossa inaptidão em usa-las de maneira equilibrada. Para entender melhor nosso comportamento, as últimas pesquisas sobre o assunto explicam biologicamente os motivos que tornam nossos Smartphone em objetos tão irresistíveis.


Até podemos considerar que usamos em demasia nossos aparelhos móveis, talvez até estejamos dentro dos 68% que pegam o celular assim que abre os olhos, como mostrou um recente levantamento da revista Time, e ainda assim acharmos que temos a situação sob controle. Dificilmente nos questionaremos sobre como a tecnologia afeta nossas relações e assumiremos nosso vício em um grau destrutivo. Para entender melhor sua dependência em relação ao smartphone, o instituto Delete elaborou um teste on-line que ajuda a medir o seu uso de tecnologia, o teste, caso você queira fazer, está disponível aqui: bit.ly/teste_celular.

Independentemente de testes, este “facilitador” já faz parte de nossas vidas de maneira bastante significativa. Você provavelmente já deve ter tido a experiência de sentir seu celular vibrar quando na verdade ele estava estático ou ainda pior, você nem estava com ele. A conhecida como “síndrome do celular fantasma” foi comprovada cientificamente em um teste feito pelo Instituto de Tecnologia da Georgia e, segundo os resultados, 9 em cada 10 usuários de celulares já tiveram esta sensação.

A explicação de tudo isso está em nossa cabeça. Nossos celulares são gatilhos emocionais que estimulam áreas específicas do nosso cérebro. O fato de termos à mão o mundo em tempo real, pessoas interagindo e tudo acontecendo de forma “acessível” nos traz grande ansiedade. O psicólogo Larry Rosen, da Universidade do Estado da Califórnia, cunha o termo Fomo (Fear of Missing out – ou medo de perder alguma coisa) para essa sensação de angústia. Ou ainda a Nomofobia, termo recente que tem origem nos diminutivos inglês No-Mo ou No-Mobile, que significa Sem Celular, caracterizada pela fobia causada do desconforto ou angústia resultante da incapacidade de acesso à comunicação através de aparelhos celulares ou computadores.

A relação entre o smartphone e nossa cabeça é simples. Quando o som de uma notificação do WhatsApp, e-mail ou redes sociais chega, nosso cérebro libera dopamina, o conhecido hormônio da felicidade que eleva o nível de excitação, dando uma sensação de recompensa positiva. Toda a vez que fazemos algo que gostamos somos recompensados por essa substância, o contrário também tem sua penalidade. A grande questão é que nosso cérebro não associa essas recompensas somente a atitudes positivas, inclusive o surgimento de nossos vícios tem essa origem, como exemplo mais clássico da psicologia temos os jogos caça-níqueis e jogos de azar, que atuam diretamente em nosso sistema de recompensa. Sempre desconfie das coisas que você gosta, elas sempre serão a Caixa de Pandora de nossos males.


A estratégia de liberação de dopamina é conhecida pelos desenvolvedores de aplicativos e plataformas Web e também é usada nos games para entreter jogadores. Cristiano Nabuco, Coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica do Programa dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP, explica que os games fazem com que a liberação do hormônio aconteça depois de 5 minutos de jogo, o cérebro percebe e sinaliza para segurar a dose para 8 minutos, sendo depois necessário 16 minutos para ter a mesma sensação, criando assim um ciclo vicioso. Segundo Dr. Nabuco, as redes sociais e WhatsApp têm o mesmo efeito, um elogio em uma foto ou uma nova mensagem traz a sensação boa, com isso checamos sempre nossos aparelhos em busca de satisfação.

Em contrapartida isso gera ansiedade em checar novas notificações. A busca de diminuir essa ansiedade tem o efeito inverso. Estimulamos de tal forma as glândulas ad-renais que liberamos grandes quantidades de cortisol, o hormônio do estresse que é importante em situações de luta ou fuga assim que largamos o celular. Além disso, comprovadamente o celular suga parte de nossa capacidade mental. O simples fato de o aparelho estar conosco afeta nosso desempenho em qualquer atividade e diversos estudos sugerem que estes aparelhos atrapalham o desenvolvimento de crianças e adolescentes quando usados em excesso.

Um estudo, da Universidade Standford, fez diversos testes com os multitarefas digitais, aqueles que assumidamente dizem que conseguem exercer mais de uma atividade ao mesmo tempo. Os resultados mostraram algo que qualquer neurocientista já sabia: eles não executam bem as tarefas como imaginam, apresentam dificuldade em estruturar as informações e ignoram o que é irrelevante, isso porque o funcionamento do cérebro só consegue focalizar uma coisa por vez e quando não concluímos um processo (ou resolvemos um problema) dispendemos de grande carga emocional.

Outra recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo mapeou o uso smartphone por parte dos estudantes. O resultado mostrou que a cada 100 minutos diários de navegação em casa, os alunos perdiam, em média, 6,3 pontos no ranking de classificação da universidade. Quando o uso é na universidade, a queda chegou a 12 pontos. Países como a França proíbe o uso de celulares nas escolas como forma de aumentar o desempenho dos alunos. Não à toa as pessoas estão ficando mais superficiais, estudos apontam queda no QI dos jovens, que entre 1980 e 2008 mostrou declínio e isso também pode ter relação com o modo em que interagimos com o mundo. Este tema é abordado em outro artigo de forma mais aprofundada, que questiona se “Estamos ficando burros?”.


O fato é que não usamos a tecnologia da melhor forma por ainda sermos ignorantes no assunto. Ignorantes no sentido de falta de conhecimento, pois ainda estamos no centro da mudança que essas tecnologias nos trazem. Confundimos muito a mobilidade com a disponibilidade e precisamos entender que estas são coisas totalmente distintas. A nossa atenção é o que temos de mais importante, tanto no lado pessoal quanto no profissional. Além de definir o que somos e a maneira como encaramos o mundo, ela é fruto de cobiça das empresas em seus aplicativos e anúncios disparadores de dopamina.

A escritora e jornalista científica Catherine Price, autora do livro “Celular: como dar um tempo” coloca essa situação contemporânea de forma bastante simples: “Só vivenciamos aquilo que prestamos atenção. Quando decidimos prestar atenção em determinado momento, tomamos uma decisão ampla de como queremos viver a vida. (...) Estamos conectados mas somos solitários. A tecnologia que nos dá liberdade também funciona como prisão”. Um importante ponto de reflexão para perceber o quanto estamos nos afastando da vida real vivendo o mundo on-line, deixando de perceber aquilo que realmente dá sentido para nossos dias.

Neste contexto, a educação digital é fundamental e já começa a ser não só discutida, como também difundida. Companhias já apostam em medidas que tragam essa “desintoxicação tecnológica”. Christian Cetera, diretor de RH da GM Mercosul adotou desde o começo do ano uma medida aprovada por 85% dos colaboradores: não usar celular no trabalho. “É um chamado para a gente ter uma vida mais plena, estar presente quando fala ao telefone, quando dirige, caminha. As pessoas às vezes pensam que podem viver diversas vidas ao mesmo momento, mas isso não é realidade”.


Um dos gurus da gestão corporativa, Simon Sinek, é adepto da metodologia sem celular. Em seus workshops ele retira dos participantes os celulares, o que causa bastante desconforto, pois são sempre grandes líderes e altos executivos que não querem se desfazer dos seus gadgets, porém depois os próprios participantes reconhecem o quanto aquilo foi transformador, pois nos intervalos as pessoas interagem, conversam e estão verdadeiramente ali. “Nunca deveria haver celulares em salas de reuniões – qualquer que seja – porque a qualidade dos encontros é sempre elevada”, aponta Sinek.

Se quisermos realmente nos conectar com as pessoas, precisamos aprender a desconectar desses novos “melhores amigos” e viver a vida com mais presença. Observe as pessoas a sua volta enquanto anda pelas ruas, veja o quanto estão cada vez mais absortas em seus mundos particulares e deixam de notar a riqueza e profundidade daquilo que está ao redor. Tente “respirar sem ajuda dos aparelhos” e sinta o que te cerca. Claro que as vantagens do mundo virtual são imensas e inegáveis, na democracia ela age inclusive como uma ferramenta política, além de ser uma importante fonte de lazer e conteúdo. Em nenhum momento devemos inibir a tecnologia de entrar em nossas vidas ou rejeitar esses progressos, pois são essenciais. Devemos preservar o equilíbrio e perceber quanto o formato desses novos hábitos afetam também nossa vida off-line.

Por confundir mobilidade com disponibilidade, não conseguimos nos “desligar” de nossos compromissos porque quando saímos do trabalho, levamos o escritório em nossos bolsos, carregamos nossos compromissos na palma da mão e não nos conectamos com o que realmente importa. Além disso, nos distraímos nos gatilhos sociais que o aparelho nos fornece e acabamos, sem perceber, ignorando amigos e momentos ao checar as notificações das suas redes sociais. O que precisamos não é proibir o uso, é educar e compreender.

É na interação real que o mundo acontece e não por trás das telas dos celulares. Para a psiquiatra Vivian Machado, especialista em dependência química, a dependência digital é caracterizada quando há uma perda da capacidade laboral, da socialização ou outro tipo de prejuízo. A pessoa passa a se sentir mal sem aquele estímulo e não vê sua vida sem ele. Se você sente angústia em ficar longe do seu aparelho, fica o alerta. “Se tornou aparentemente óbvio que nossa tecnologia excedeu nossa humanidade” isso foi dito por Albert Einstein sem nem mesmo conhecer os Smartphones, imagina o que ele diria hoje. Não deixe que um dispositivo exerça tanto controle sobre sua vida, desconecte para se conectar.

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